Chapada Diamantina na Bahia

Houve uma época que minha lista de desejos era mais parecida com uma lista de lugares pra conhecer, eu praticamente só pensava em viajar, conhecer culturas, ouvir histórias e lendas de pessoas locais, carregar a mochila por alguns dias e juntar tudo nas minhas próprias histórias, e conhecer as chapadas que temos no Brasil era um sonho, quando soube que o recesso de fim de ano se juntaria a minhas já atrasadas férias, por sugestão da empresa, claro, percebi que os 20 dias seriam suficientes para conhecer uma delas, a escolhida foi a Chapada Diamantina.
 
Chegar a chapada naquela época não era exatamente fácil, algumas horas de voo para Salvador seguidas de muitas horas de ônibus até Lençóis e passagens aéreas para o nordeste próximo do ano novo são geralmente concorridas, isso provocou mais algumas horas de espera em Salvador, em suma levei praticamente 24h pro trajeto de casa em SP até Lençóis, foi cansativo.
 
Se pensa que isso me desanimava, engano seu, na pesquisa pra viagem eu havia descoberto que a chapada Diamantina tinha muito a oferecer, além das inúmeras cachoeiras pequeninas e a majestosa cachoeira da Fumaça, grutas com águas azuladas, cavernas e até uma região de areias coloridas (bem, não estavam tão coloridas quando fui, mas havia a expectativa), eu havia descoberto que a Chapada Diamantina abrigava uma trilha que eu já ouvira falar, a travessia do Vale do Pati, e isso sim me animava, afinal essa era uma trilha classificada entre as mais bela do Brasil, com um certo grau de dificuldade, e como disse o guia ao iniciarmos os mais de 65km de travessia, aqui no Vale só entra Mula e Burros, as mulas carregam as mochilas, e os burros encaram a caminhada.
 
Os primeiros dias em Lençóis me concentrei nos arredores, estava numa pousada confortável, por quase uma semana entrei em várias excursões até um ponto ou outro de interesse, o Pati estava reservado para o Reveillon, o que me animava, sei que parece confuso pra quem não gosta de trilhas, mas passar a virada do ano em uma gruta sem agua encanada, luz elétrica ou outras coisas da cidade, com um grupo praticamente desconhecido, em meio a uma vale deslumbrante era pra mim uma experiência estonteante, eu tinha certeza que seria única e inesquecível pro resto de minha vida.
 
Assim, entramos no vale nove pessoas, desses dois eram irmãos, dois formavam um casal e dois eram guias, restavam 3 solitários, grupo a que eu pertencia, todos acima da média, o entrosamento foi fácil e rápido, na parada pro lanche do primeiro dia acredito que todos j[a sabiam que haviam feito a escolha correta.
 
O vale se abriu tímido, foi se apresentando aos poucos, o primeiro dia não foi dos mais bonitos, mas tudo correu bem até chegarmos a casa do Sr. Wilson, um caboclo que morava no meio do nada, pernoitamos por lá, o que foi muito bom, além da recepção calorosa, um local seco caia bem naquele momento, a chuva castigava fortemente por horas a caminhada e todos estavam meio enrugados já, haviam momentos de sol, mas mal secávamos totalmente.
 
Eu percebi logo no primeiro dia que minha escolha pra botas não tinha sido boa, não que as botas fossem ruins, mas elas não eram feitas pra pedra molhada e no vale havia muita pedra, que por força da chuva, estava bem molhada, eu mal parava em pé, logo ganhei apelidos claro, mas por andar leve (agradecimentos as mulas) não tinha muito perigo de me machucar com os tais tombos.
 
No Sr. Wilson também tive a oportunidade de ouvir algumas das histórias do anfitrião, de forma generosa me contou sobre o modo de vida da família, as dificuldades e alegrias do vale, também sobre outros grupos que recebia por lá, foi uma conversa muito interessante.
 
Na manhã seguinte subimos para o topo de um dos montes no vale, onde uma gruta nos aguardava para o Reveillon, logo apos chegarmos a chuva veio com vontade e durou a noite toda, não haviam goteiras (parte boa), mas a gruta esfriou pra valer, a fogueira mal nos aquecia, e a ceia foi tímida, mas divertida, contamos histórias cantamos e rimos com as histórias, foi como esperado uma grande experiência.
 
Após a virada do ano a caminhada continuou, entre subidas e descidas o vale foi se revelando, se via por todos os lados as formações da chapada e a também a trilha desenhada seguindo para o horizonte, e assim seguimos pelos dias seguintes numa caminhada relativamente tranquila.
 
No ultimo dia choveu muito, já na parte baixa do vale a lama dominava a trilha, foi um alivio ver a toyota nos esperando no ponto de encontro, afinal nela havia uma muda de roupa seca estrategicamente deixada com a agência, pelo que me lembro, era a única coisa seca naquele momento pra todos nós. Mas estávamos felizes, a trilha estava completa.
 
Seguimos cedo no outro dia de Jipe para a parte alta da cachoeira da Fumaça, pelo menos o mais alto que o jipe chegava, pois subimos uma boa parte de trilha ao lado da cachoeira, até o topo, onde passamos umas horinas no mirante.
 
Somando tudo que andamos, inclusive o trecho para o mirante da Fumaça foram 81 km de trilhas, dali seguimos mais um pouco de Jipe até Igatu e Mucuge, cidades próxima a Lençois onde um  outras atrações nos aguardavam, pequenas cavernas, um poço com a agua mais azul que já vi e até um curioso cemitério bizantino.
 
Na parada pro lanche fomos recebidos por dezenas de borboletas que segundo o guia eram raríssimas, viviam por cerca de uma semana e coincidir isso com o momento de chegarmos a Mucuge foi muito legal.
 
Guardo com carinho os momentos dessa viagem, até mesmo os tombos constantes ficaram marcados na memória, as fotos contam sua parte, fico feliz em deixar parte delas aqui pra vocês.