Sabe aqueles momentos que a vida te dá uma rasteira, complicados não é, mas podem ser oportunidades únicas, essa viagem surgiu num desses momentos, talvez o primeiro mais sério que passei, e tudo aconteceu muito rapidamente, foi certamente a decisão mais inconsequênte que fiz desde a adolescência, mas também foi a decisão que me colocou novamente no rumo certo da vida, tenho certeza.
Logo após o susto da rasteira decidi usar o tempo livre pra organizar alguns dados que estavam se acumulando desde a faculdade, eram contatos e anotações principalmente, e foi nessas anotações que uma pesquisa junto com um planejamento de viagem surgiu, tudo quase pronto esperando uma oportunidade de tempo pra ser feita, e tempo era o que eu tinha naquele momento, não precisei pensar muito, após verificar alguns detalhes de climas, preços e disponibilidade de albergues, passagens aéreas, etc. não se passaram mais de 15 dias antes que eu desembarcasse em Lima, pra me aclimatar com a cultura local, sobre Lima prometo falar em outro post, fiquei somente 3 dias por lá, segui para Cusco e novamente passei uns 5 dias visitando os museus locais e conhecendo algumas pessoas até que a oportunidade de iniciar a trilha surgiu, havia vaga em um grupo, era baixa temporada e poucos grupos estavam saindo, mas tudo havia corrido muito bem.
Essa curta temporada em Cusco também havia me ensinado algo importante, o principal estimulante da região não funcionaria pra mim, o tal chá de coca era delicioso, mas me provocava taquicardia, então já no segundo dia eu retirei ele da dieta.
O primeiro dia de trilha foi de certa forma preocupante, por motivos que nunca entendi eu estava ofegante quase 100% do tempo, não era a altitude, nós nem havíamos começado a subir ainda, tão pouco o peso, pois no grupo que entrei haviam carregadores para os equipamentos de camping, eu tinha apenas a roupa e algum equipamento fotográfico, tudo não passava de 8kg, me sentia mais leve que o laptop somado aos folders de produto que carregava pra trabalhar, hoje entendo que era tudo um problema de cabeça, eu ainda não havia lidado corretamente com a rasteira da vida, mas o fato de estar ofegante chamou até a atenção dos guias, que muito sutilmente vieram me sugerir que contratasse mais carregadores, para esses pífios 8kg que ainda estavam comigo, prontamente ignorei 😳 e continuei a caminhar no ritmo que podia.
Nesta primeira noite, após jantarmos, soube que havia próximo do local de acampamento uma antiga (e destruída) casa de apoio para os guias e que lá haviam banheiros e chuveiros, eu logo encanei com os chuveiros, algo em compelia a tomar um banho, embora o guia de forma irritante repetisse sem parar que era má ideia, ele já me considerava um problema pro grupo e dizia que ficaria pior se eu ficasse doente. Ele considerava que por estar frio (cerca de 10˚) e o tal chuveiro ser frio, a única consequência possível seria uma gripe, mas felizmente insisti e lá fui eu.
Bem, não era exatamente um chuveiro, quase uma bica em meio a paredes, a água sequer poderia ser fechada, realmente fria, mas altamente revigorante, foi como tomar um banho de cachoeira (às 21h), de alguma forma aquela agua lavou minha alma e não tive mais problemas o resto da trilha, andei nos demais dias como esperava, até melhor que a maior parte do grupo, nenhum sinal de gripe, isso reduziu bastante a insistência do guia sobre o assunto.
Durante a trilha várias construções surgiam, a maioria delas mal conservada, mas mostravam um passado glorioso, alguns pareciam meras guaritas, mas outros eram sofisticados, o dia mais interessante da trilha foi o terceiro, nesse as subidas se apresentaram com muita frequência, eu me apoie bastante em uma plantinha também popular na região que se assemelha a hortelã, encontrava a mesma nas bordas da trilha e amassadas junto ao nariz meio que abriam o pulmão me impulsionando ladeira acima até o Paso.
Vale ressaltar que desobedeci o guia e passei uma meia hora observando as montanhas cobertas pelas nuvens vistas do Paso (se lê Passo), eu precisava daquele momento, nunca havia estado tão alto, os 4.200 metros de altitude do Paso eram um marco pra mim, os guias por sua vez pedem pra ficarmos no máximo 10 minutos por lá, alegando possíveis problemas com a altitude, ou talvez tentando evitar congestionamentos, visto que o local é pequeno, mas não enfrentei nem um nem outro problema, só sentei lá e curti um pouquinho.
No final do primeiro dia tudo que subimos, descemos, a cada hora me vi obrigado a pequenas paradas pra tirar alguma roupa de frio, pois o tempo parecia melhorar e esquentar 😊.
Em uma dessas paradas, entretanto, perdi meus óculos, provavelmente os esqueci sobre alguma pedra enquanto arrumava as blusas na mochila, só me dei conta ao chegar no local de acampamento. Aqui então ocorreu um episódio triste, procurei o guia para pedir ajuda, com a quantidade de gente naquela trilha havia uma chance razoável de alguém ter encontrado meus óculos, entregue aos guias e este (na minha ingenuidade) me devolveria os mesmos.
A primeira parte eu acertei, meus óculos foram encontrados, também soube que estavam com o Guia, mas a parte triste é que ele me pediu 50 USD pra devolver os mesmos, uma atitude bem longe das atitudes de guias que eu conhecia em outras partes do mundo, sei que generalizar as coisas é ruim, mas ali eu considerei todos os peruanos como pessoas mesquinhas, e entendi que o significado de propina pra eles não era o que aprendi em espanhol, mas muito mais próximo do que usamos em português, eu me senti subornado.
No quarto e último dia de caminhada começamos cedo, eram 4 da manhã e já estávamos andando, tudo pra chegar a Machu Picchu logo ao alvorecer, havia uma surpresa nisso, o sol iluminaria a cidade de uma forma muito especial, vou deixar pra contar isso lá no post de Machu Picchu, junto com a fotos do que vi, vale conferir….