Certamente não há uma hora certa pra receber um presente, ou uma oportunidade, acredito que a única regra pra que sempre ocorram é estar com o coração aberto a elas, foi assim que eu, num bar, já no avançado da madrugada ganhei um presente inesperado.
Eu não havia bebido muito naquele dia, mas a boa música me mantinha ali no balcão de um bar que eu frequentava regularmente, eu havia há poucos meses descoberto a fotografia em branco e preto, inclusive revelando minhas próprias fotos em um laboratório do centro acadêmico, mas os custos para experimentar, testar e aprender essa nova paixão estavam influenciando minha atividade social, fotografar tinha uma dinâmica diferente naquela época, as boas máquinas custavam muito, usavam filmes, que também custavam muito quando usados sem ponderação, a revelação era de centenas de fotos em tamanhos interessantes era proibitivo pra alguém que ainda estudava em tempo integral, então eu driblava o orçamento como podia, mas as fotos tinham uma magia que me fascinava a ponto de eu nem considerar a hipótese de abandonar aquela atividade.
Como todo ser empolgado falava de fotografia o tempo todo, acho até que incomodava alguns, mas logo todos sabiam que eu estava envolvido naquela tarefa, inclusive alguns meros conhecidos, e foi um desses que trouxe a oportunidade a minha porta.
Ali no balcão o barman me pergunta: “Você está estudando fotografia? Não está?” – A frase caiu como uma luva, ele não perguntou se eu era fotografo, ou se eu trabalhava com isso, então apesar da mente nebulosa as 4 da manhã respondi naturalmente um vigoroso sim. Na sequência veio a oferta: “Aquele cara ali na ponta do balcão precisa de alguém pra fazer um trabalho com fotografia, ele não pode pagar, mas talvez venda umas fotos, você topa?” Outra frase perfeita, oportunidade de ganhar algum dinheiro fazendo aquilo que estava tomando todo meu dinheiro, e claro que aceitei, fui de imediato conversar com o desconhecido e jamais esqueci essa conversa.
Pra minha surpresa ele era diretor do Instituto de dança da Unicamp, precisava de alguém disposto a acompanhar ensaios, conhecer as alunas (na época todas meninas) e fotografar as apresentações, as fotos poderiam ser oferecidas para as próprias alunas, que precisavam criar seu portfólio.
Era melhor que eu esperava, teria acesso livre a um estúdio, me aproximaria do pessoal das artes, uma quantidade grande de modelos a disposição, acompanharia diversos espetáculos e o desafio de fotografar em ambiente de pouca luz, sem flash e sem poses. Era quase um trabalho voluntário, mas tinha potencial demais para ser descartado.
Até minha formatura, mais de 3 anos depois dessa noite, eu me vi envolvido com isso, meu tempo ficou bastante dividido entre as apresentações de dança, o tempo no laboratório fotográfico, algum estudo extracurricular em fotografia e os extensivos estudos em engenharia elétrica, que afinal era o curso que eu fazia.
Nem precisa ser muito esperto que eu não estava exatamente preparado para o desafio, minha maquina fotográfica era simples, meu entendimento sobre linguagem fotográfica, pífio, mal havia aprendido a revelar uma foto havia 1 ano e usava um laboratório montado há mais de 20 anos, mas ok, percebendo isso naquele semestre mesmo consegui vaga como aluno especial na artes, fiz várias matérias interessantes e as fotos começaram a ganhar corpo, foi uma época boa demais pra mim, aprendi demais não somente como operar uma máquina, mas pontos que se relacionavam a necessidades humanas de pessoas muito fora do grupo que eu pertencia, eram muito presentes, também me tornei mais paciente (quem me conhece pode questionar isso, mas é verdade), afinal diferente de hoje que vemos a foto logo que a tiramos em uma máquina digital, o filme precisava de um exaustivo processamento antes de te oferecer as fotos que tirou, as vezes dias eram necessários até que eu terminasse de revelar o filme e ampliasse as fotos e só então ter algo para mostrar.
Nem sempre as fotos ficavam como eu queria, nem sempre as que eu gostava eram as que eram elogiadas pelas meninas, nem sempre conseguia vender alguma, mas nada disso havia se tornado fundamental depois de poucos meses fotografando a dança, foi uma escola de vida, conheci pessoas fantásticas, aprendi sobre luz, sobre filmes, sobre movimento, assisti mais espetáculos que imaginei na época seria possível acompanhar, percebi beleza onde a estranheza dominava, entendi que embora tudo acabasse em imagens estáticas, a plasticidade de um momento era diferente de quando vista somada ao movimento.
O encantamento por fotografia nunca mais saiu de mim, quando estava perto de me formar até mostrei uma centena dessas fotos a um fotografo amigo, não sei se ele foi só amigo 😃 , mas elogiou bastante, foi bastante recompensador na época.
Depois que essa fase acabou, essas fotos passaram anos esquecidas em gavetas, algumas sequer haviam sido ampliadas, reencontrá-las, lembrar o quanto aprendi e dos bons momentos que passei por anos graças aquela conversa no bar, me fizeram rever pontos na vida, até me motivaram a voltar ao trabalho voluntário, mas agora quero compartilhar algumas dessas fotos com vocês, é a primeira vez que coloco essas fotos em um lugar público e há ainda muitas histórias dessa fase por publicar aqui no site, pode esperar.
Essas fotos são de uma Montagem Cênica, no instituto de Artes da Unicamp, não tenho mais certeza dos nomes das pessoas que estão no palco e das datas tenho apenas o ano, mas se alguém se reconhecer pode me procurar, ganhará fotos! 😃