Foi num final de semana com muita neve que seguimos para Füssen para conhecer o Neuschwanstein, fomos de trem e o trajeto incluía uma pequena caminhada entre a estação na cidade e o castelo, embora a caminhada não nos preocupasse foi ela que nos levou a história que ganhei nessa viagem.
O castelo dispensa muito texto aqui, apenas uma palavra o descreve por fora, fantástico, erguido ao lado de um enorme lago para que pudesse se mostrar majestoso ao longe, mesmo em dias frios como este que estávamos a neblina formada sobre o lago conferia uma imagem especial ao ver o castelo.
Dentro, as modernidades da época, sistemas sofisticados de roldanas garantiam água encanada, banheiros e outras coisas que hoje achamos bem normais, mas num mundo sem luz elétrica eram bem modernas.
Próximo dele um outro castelo, conhecido como castelo velho também é muito charmoso, não tão majestoso, mas charmoso, infelizmente estava fechado para visitação e nos limitamos a conhecer o mas famoso dos dois.
A volta foi como esperada, caminhamos pelos cerca de 3-4 km até a cidade, mas a neve fina nos congelou e como tínhamos algum tempo antes de tomar o trem de retorno, entramos em um café dispostos a desfrutar do maior copo de chocolate quente que pudéssemos achar.
O Chocolate estava ótimo, por alguns minutos riamos do feito de andar e do frio que passamos naquela hora, mas na mesa ao lado uma senhora (única pessoa além de nós no café) puxou conversa, alemã, com uns 70 anos de idade, primeiro mostrou interesse pelo idioma que conversávamos (português), depois de onde viemos, e mais meia dúzia de questões de aproximação, até que começou a contar o que parecia ser o assunto de interesse daquela conversa, a história detalhada dela, da vida dela.
Posso dizer que a história dela tem muito a ver com o que vejo no povo alemão, em muitas oportunidades percebi que eles estão dispostos a fazer o que precisa ser feito, sem se importar muito com o quanto perdem com aquilo, e muito na vida só melhora quando essa atitude é praticada.
Como eu ia falando a mulher foi aos poucos mudando de assunto para sua história pessoal, e foi fundo, começou com o tempo da guerra, nem sei qual a deixa que permitiu ela virar o assunto, disse que naquela época as cidades foram muito destruídas, fisicamente, que muitos ficaram sem casa, sem comida, sem emprego, pra piorar, numa época que praticamente só os homens trabalhavam fora, haviam poucos homens e mesmo poucos adolescentes, a maioria não voltou da guerra, a força pra reconstruir deveria vir das mulheres e crianças.
E nesse clima foram as mulheres que colocaram a mão na massa, literalmente construíram casas, plantaram alimento, começaram a criar a Alemanha que conhecemos hoje, e como sabemos, tiveram muito sucesso.
Mas nesse ponto a história teve outra virada, ela começou a falar do filho, adolescente na época, que se achava muito importante pra realizar aquele trabalho duro e mal remunerado, muitas vezes feito em mutirões e sem possibilidade de trazer qualquer prestígio, aqui um aparte, nem havia na época as tais redes sociais. Será que evoluímos desde então? Continuamos esperando os “likes”!
O filho era vagabundo ela não evitou dizer, não tinha aprendido os valores importantes para vida, como amigos, família e as coisas simples, não queria ajudar e ela não poderia deixar que ele se tornasse um adulto sem entender o que realmente valia a pena na vida, pois ele não contribuiria pra sociedade e nem seria feliz.
Ela então decidiu que não teria condições de ensinar esses valores ao filho rapidamente, talvez ela nem fosse capacitada pra isso, talvez ele não quisesse ouvir, mas precisava ser feito, então ela foi até o comandante do exército na região, conversou com ele e acordaram que o tal filho seria alistado a força, se não aceitasse seria prezo, nesse momento só me vinha o momento histórico, pós guerra recente, e o quanto deveria estar desprestigiado o exército que perdeu a guerra.
Mas entre alguns períodos de prisão, outros de serviço obrigatório, alguns anos de serviço militar foram cumpridos e o adolescente saiu de lá já adulto, e um bom adulto, ficou na cidade e desenvolveu negócios, ajudou a comunidade e fez sua parte como cidadão, a mulher tinha certeza que tinha feito a coisa certa, só uma coisa não andou como ela esperava, desde o alistamento o filho não falava mais com ela, e pelo jeito era tão teimoso quanto ela, havia passado mais de meio século!!
Certamente havia uma mágoa, de ambos os lados, um preço alto foi pago sem dúvida e não sentimos arrependimento nas falas, ela tinha convicção que fez o necessário para que algo melhor surgisse. Nesse momento eu e meu amigo já não falávamos nada há um tempo, historinha pesada, mas ouvimos…
No final soubemos que a mulher não estava ali naquele café a toa, era a dona do mesmo, talvez o dia frio de inverno não tivesse permitido a ela encontrar outras pessoas pra conversar, talvez o fato de sermos estrangeiros, talvez só mais uma dessas coincidências que coleciono, mas de fato, foi uma grande lição e eu jamais esqueci a história, não pelo lado triste que certamente ela carrega, mas pelo lado de fazer o que acreditamos ser preciso para um mundo melhor. Esse é o caminho para paz de espírito.