Muro de Berlin-Lado Ocidental
Muro de Berlin
Poucas são as pessoas que conheço realmente livre de preconceitos, é difícil, vivemos em uma sociedade que oscila entre os julgamentos feitos pelas pessoas que nos criaram, as atitudes politicamente corretas ensinadas atualmente e a atitude muitas vezes reativa de pessoas que já passaram pelo preconceito.
 
Não vejo ganhos em nenhuma das três situações!
 
Os julgamentos que aprendemos na nossa formação são muitas vezes distorcidos, justificados pelo “sempre foi assim”, raramente questionados, como se fossem úteis para manter a situação que nos encontramos, uma espécie de zona de conforto.
 
Entretanto, acredito muito que tudo muda constantemente, assim não questionar o que “sempre foi assim” nos desconecta da realidade, criando a sensação ruim de que não estamos alinhados a nosso tempo, tão pouco encontraremos uma solução melhor para o problema.
 
Os politicamente corretos, ah, que me perdoem, mas tudo soa muito falso, sem sentimento, sem emoção, máquinas são politicamente corretas, prefiro atitudes humanas, que navegam pelo incerto e duvidoso, pelo sentimento e necessidade de cada momento. Tenho a certeza que a atitude politicamente correta evita problemas, mas não os resolve, e eu sou uma pessoa que prefere resolver meus problemas.
 
Por fim a reação, como nome já diz é uma ação em retorno, mas não algo que é feito espontaneamente, realmente não vejo algo ser corrigido a por uma ação que precisa do problema para existir.
 
Se somarmos nosso desconhecimento de como agir corretamente aos medos e orgulhos que carregamos a equação fica bastante complexa. Eu não pretendo aqui dizer como ser o fazer mas vou contar uma história minha, ela me ensinou o quanto é tolo o preconceito, e como nos atrapalha e limita fortemente, é uma história antiga, quase 20 anos se passaram, mas que me marcou muito, nunca esqueci e mudou a maneira de me relacionar com muitos assuntos, espero que gostem.
 
Eu sempre gostei de viajar, tive a oportunidade de conhecer Berlin pouco tempo depois da queda do muro, a cidade estava em reforma, em meio a guindastes e canteiros de obras um pouco dos “dois mundos”, capitalista e comunista, ainda resistia, eu já gostava muito de fotografar e então, durante a semana que passei na cidade, vagava horas e horas em meio a vielas procurando resquícios perdidos de um outro tempo, que claro me renderiam fotos inesquecíveis.
 
Unter den Linden
Unter den Linden
  Naquela época entretanto embora minhas habilidades com mapas fossem razoáveis, minhas restrições de orçamento como estudante eram fortes, eu não comprava mapas, me virava com os exemplares turísticos que conseguia nas estações de trem.
 
Em um desses dias de exploração andei por mais de 10 horas, me empolguei com a descoberta de uma área da cidade e segui calmamente por muitas vielas, atento a cada detalhe de casas antigas e prédios mal conservados, estava no lado da cidade que havia ficado em poder dos comunistas e não me dei conta que quando sai das fronteiras do mapa turístico, e sai bastante, a ponto de pela primeira vez em viagens longas, me perder.
 
Já próximo de escurecer resolvi retornar para casa dos amigos que estava hospedado, mas a coisa complicou bastante, o dia frio e o lugar pouco turístico me fez ser a única pessoa presente, casas fechadas e nenhum comercio, ninguém pra ajudar, meu mapa não ajudava em nada, nenhuma referência. Então só me restava escolher um lado e seguir, quem sabe com sorte aparecia alguém.
 
Quanto mais andava mais angustiado eu me via, não estava nem vestido pra enfrentar o frio que se anunciava naquela noite, e por mais de uma hora andei sozinho. Então me julguei com sorte ao ver alguém se aproximando ao longe, mas a sensação de sorte passou rapidamente, era um Punk.
 
Todo de preto, cabelos moicano cor de rosa e algumas correntes completando a roupa, essa visão nada me agradava, eu entendia que esse grupo de pessoas era pouco tolerante, que não gostava de estrangeiros nem de ajudar muita gente e tinha uma certa tendência a comportamentos violentos.
 
Claro que eu me encaixava em tudo isso, não demoraria mais de 15 segundos para ele perceber que eu estava perdido, era estrangeiro e essa constatação me fez acelerar o paço, tentando me distanciar do punk, obvio! Pra completar eu carregava uma máquina fotográfica nada discreta, do tipo que chama atenção demais (tirava ótimas fotos também).
 
Infelizmente o sujeito andava rápido demais, provavelmente não tinha passado as mesmas 10 horas em passeando a pé como eu, mas minha fuga foi inútil, logo ele se aproximou, eu, preconceituoso, já me preparei pra reação defensiva, mas o desespero de não saber nem onde estava, nem para onde estava indo me fez respirar fundo, engolir o medo e pedir ajuda a esse único ser vivo a vista.
 
Pois bem, aquele ser completamente estranho pra mim foi surpreendente, atencioso teve paciência pra entender meu fraco alemão, solícito questionou que lugar seria mais fácil pra que me orientasse e quando eu disse que queria pegar um metro ofereceu me acompanhar, disse que estava indo em direção ao centro da cidade, poderia me acompanhar até próximo da Gedachtniskirche, um ponto de referência importante em Berlin.
 
Brandenburgertor
Brandenburgertor
  Caminhamos juntos por mais de duas horas, nesse período soube que o julgado Punk era muito mais inteligente que eu, formado em filosofia e psicologia na Humboldt (uma das mais tradicionais universidades da Alemanha) ele agora fazia o doutorado, falava diversos idiomas, tocava em uma orquestra e mal passava dos 25 anos.
 
Alem disso, muito simpático, mostrou interesse pelo Brasil, em saber como eu havia me perdido e o que havia motivado a viagem pra Berlin, tudo muito civilizado, de forma educada e paciente. Em um certo momento além de ter perdido todo o medo inicial eu já estava na verdade com vergonha do preconceito tolo que havia me feito fugir daquela pessoa. Foram duas horas agradáveis de boa conversa.
 
Chegando próximo do destino proposto, e eu já tendo me achado no mapa, tomei coragem pra tocar num assunto delicado, comentei com ele o que eu havia sentido, expliquei que o estilo dele me trouxe medo, por puro preconceito, e que ele havia revertido todo o sentimento, mas eu estava curioso porque ele mantinha aquele estilo.
 
GedachtnisskircheSorrindo ele me respondeu com uma das maiores lições de vida que eu já tive:
 
“Durante muitos anos, quando eu morava na Berlin Oriental ele não podia mostrar muita alegria, tudo era muito cinza, tudo era muito igual, então quando o muro caiu ele teve liberdade para mais cores, mais sons, mais alegria!
 
Para expressar isso pintou os cabelos de rosa e roxo, usava as correntes para ouvir a cadencia do caminhar e fez duas tatuagens. achava isso tudo muito divertido”
 
Minha vergonha aumentou muito! Ele tinha razão, não era agressivo, era colorido, era livre. Tomei meu caminho e pensei nisso por horas, lembrei de inúmeras vezes que me enganei com aparências, de outras tantas que fui surpreendido por outras aparências, e como isso é bobo!
 
As pessoas tem o direito de produzirem a aparência que mais lhes agradar, devemos no mínimo tolerar isso, mas se aceitarmos de coração certamente a vida ficará mais fácil! Seremos uma sociedade melhor.
 
Abraço a todos.

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