Chapada dos Veadeiros em Goiás

Em Brasília encontrei amigos que dispostos a esquecer um pouco o stress buscavam alguns dias tranquilos longe da cidade grande, e não tão longe dali, cerca de 250 km há um forte candidato, destino tranquilo em sua grande maioria por estradas asfaltadas.
No caminho um retrato da imensidão do brasil, atravessando o cerrado a estrada praticamente não oferecia pontos de apoio, muito reta em um vazio constante para ambos os lados, vez ou outra um carro que mais servia para piadas, geralmente andando bem no centro da pista, como se a faixa divisória fosse o trilho as ser seguido, o braço do motorista e passageiro se estendendo nas laterais, algo sugeria o interesse em tomar posse de todo espaço lá existente, claro que a brincadeira era adivinhar de onde ser tão espaçoso e tosco viria, apostávamos na placa do carro, gerava boas risadas sobre o comportamento regional. É notório que tais carros vinham de cidades onde o espaço era abundante, jamais vi tal cena em São Paulo 😃 
Após algumas horas de estrada a primeira parada foi Alto Paraiso, cidade pequena e tranquila com fama de muitos moradores interessados em misticismo, foi só pro almoço, embora o tema me agrade não era o objetivo da viagem, seguimos pra Cavalcante onde pernoitamos, a partir dai a estrada era de terra então decidimos seguir na luz do dia seguinte, a cidade era minúscula, apenas um hotel uma rua de comércio e a praça, mas na manhã seguinte ainda tive a sorte de encontrar um tucano de bico preto por lá, além de raro, foi a primeira vez que vi um tucano livre.
Entre Alto Paraiso e Cavalcante fiquei surpreso em ver placas de um Quilombo, na minha ignorância desconhecia que ainda tínhamos quilombos no Brasil, a curiosidade aflorou claro, um de meus colegas foi rápido em contar que tal quilombo havia sido reconhecido recentemente, na década de 90 e até então o contato daquele povo com cidades vizinhas era muito restrita, poucos se aventuravam na cidade para comprar o que eles não produziam, considerando o isolamento é fácil especular o quanto são diferentes do que conhecemos, sua cultura, suas tradições e modo de vida certamente criaram características únicas e me ocorreu um dia retornar para conferir isso, de fato nessa época que estive por lá o Quilombo estava fechado a qualquer ser “estranho”, de certa forma eu concordava com isso.
Em tempo, ao voltar pra São Paulo pesquisei e descobri que quilombos no Brasil “moderno” não são tão raros assim, mas não se tem ainda um censo muito preciso sobre eles, apenas estimativas, eu fiquei triste em descobrir isso já adulto, não sei se fui descuidado nos estudos de história ou essa parte da história não constava dos livros que tive acesso, o que me entristece é ver que mais de um século se passou para que essas comunidades entrassem oficialmente pros registros, algo me parece preconceituoso nisso.
Atualmente os Quilombos aos poucos parecem estar se integrando a sociedade, ao considerar voltar pra Chapada dos Veadeiros vi roteiros envolvendo pontos dentro do quilombo, espero que consigam com o contato manter suas tradições e cultura.
Pela estrada de terra rodamos por mais algumas horas, até chegar ao ponto programado para acampar, na parte alta de uma cachoeira e fronteira com o quilombo, não raro a noite podíamos ver curiosos com nossa presença do outro lado do rio, ninguém arriscava o contato, nem nós, nem eles.
A cachoeira proporcionava “música constante”, talvez as melhores noites que já tive, o calor durante o dia era desproporcional, incomodava em poucos minutos, então a solução era passar a maior parte do tempo dentro d’água, que se mantinha gelada contra todas as previsões.
Tanto no rio quanto nas cachoeiras a cor ocre das pedras me chamou bastante a atenção também, muito forte e aparente graças a transparência das águas, e de forma curiosa numa textura que não se misturava à água.
Foi no quarto dia, entretanto, que encontramos o que considero um paraíso na terra, um conjunto de pequenos poços que lembravam ofurôs, com bordas arredondadas. A água circulava de forma meio mágica, em muitas não se via por onde entrava ou saia a mesma, passamos o dia todo ali, o tempo parou!
Foram horas que alternaram silêncio, paz, piadas e conversas sem sentido, risadas e imprevistos, não comemos mas mais de uma garrafa de uísque, devidamente resfriadas nas bordas do rio, meio que evaporaram 😃,  tudo e nada fez sentido naquelas horas, nem mesmo um grupo de escoteiras que passou por nós no começo da tarde, foi meio constrangedor, não esperávamos qualquer contato com desconhecidos (o isolamento havia ocorrido por dias), e portanto não estávamos mais sequer vestidos, mas na (ingênua) esperança que elas não olhassem para dentro dos poços que nos serviam, mantivemos um profundo silêncio durante a passagem delas, e alguns minutos depois tivemos uma longa crise de risos!
A chapada dos veadeiros ainda está na minha lista de desejos, um dia volto pra lá!