Canales Patagônicos no Chile

A partir de Puerto Mont um barco de tamanho razoável segue até Puerto Natales, na Patagônia, olhando num mapa perceberá que isso é mais 30% da extensão do Chile, então não é uma viagem rápida, foram vários dias a bordo do navio, a maior parte do tempo em águas calmas, cruzando canais que se formam entre um notável conjunto de ilhas e a costa do Chile, mas também enfrentamos alguns trechos de mar aberto, o navio que comporta quase 200 pessoas parecia uma canoa nas ondas do Pacífico…
 
Era noite quando ouvimos o aviso, os autofalantes espalhados pelo navio repetiram por quase 20 minutos que todos deveriam ficar em suas cabines até um novo aviso, entraríamos em mar aberto foi a resposta que conseguimos no restaurante, as cabines não eram muito espaçosas, ninguém permanecia nela por muito tempo, teimosamente enrolamos um pouco ali mesmo no restaurante até perceber era melhor obedecer, quando quebravam as ondas a água banhava inteiramente as janelas de onde estávamos, era minha e primeira experiência com o oceano pacífico, sempre ouvi que tinha aguas frias, mas não que era tão estressado relativamente próximo a costa, nem chovia naquele momento, embora a chuva tivesse nos acompanhado nos dias anteriores, o que acabou ajudando 😃 .
 
Quando digo que a chuva ajudou é porque a escolha por descer de barco até a Patagônia tinha um objetivo no meu roteiro, exceto por avião esse era o jeito mais rápido de cumprir esse percurso, por ser mais barato atraia uma grande quantidade de mochileiros que pretendiam ir a Torres del Paine e eu precisava disso, o parque de torres não permitia fazer a trilha sozinho, minha situação de andarilho me limitaria, então pensei em encontrar algum outro andarilho no barco 😃 .
 
OK, deve estar perguntando, onde entra a chuva nessa história?
 
Bem, com cabines pouco agradáveis, e praticamente toda área de descanso do navio (o convés) tomada pela chuva, todos se reuniam no restaurante espontaneamente, o local meio apertado facilitava em muito todos se aproximarem, logo me vi como parte de um grupo grande, mais de 10 pessoas, cada um praticamente de uma parte do mundo, e a confusão de sotaques causou boas risadas no começo, não houve esforço pra que todos se sentissem a vontade rapidamente.
 
No grupo haviam alguns peregrinos como eu, em particular um que vinha do Alasca (e não me entendi até hoje porque  alguém que vive próximo aos Icebergs do norte, passa as férias nos Icebergs do sul, enfim) um australiano que parecia meio perdido por ali, e uma Irlandesa, sem duvida a mais divertida, ela era garçonete e não hesitava em contar que esse era o melhor emprego que um irlandês pode ter, afinal as gorjetas após 2 ou 3 garrafas de whisky eram sempre generosas.
 
Mas a maioria era composta de casais, americanos, argentinos e australianos, não nego não, demorei algumas horas pra começar a entender os australianos, que sotaque diferente!
 
Os argentinos eram de Córdoba e muito gente boa, curiosamente não eram muito fãs de futebol, e quando me conheceram logo dispararam essa restrição a conversa, como se eu entendesse alguma coisa do assunto, mas ok, sou brasileiro, para o mundo todo o futebol faz parte de todos os brasileiros, certo? Não, não mesmo 😃 .
 
Os dias eram um pouco tediosos a bordo, então faltava assunto útil, mas aprendi a jogar pocker (e já esqueci, claro), ouvi muito sobre as lendas da Irlanda, incluindo a história completa de são Patrick, padroeiro da Irlanda, com detalhes.
 
Os argentinos gostavam de falar de vinhos, no navio só se vendia cerveja, mas eles tinham um estoque particular e abasteceram o grupo, os australianos eram bastante comedidos no início, mas depois se abriram, na noite da tormenta, 😃 .
 
Ah, voltando ao mar aberto, durou pouco, logo pela manhã voltamos aos canais e sem chuva, até um arco íris surgiu, foi quando consegui tirar algumas fotos que mostro aqui, mas a calmaria no mar não evitou uma confusão interna 😃  lembram do australiano que parecia perdido, pois bem, ele resolveu comer com gosto um saboroso prato chileno, que consistia em um generoso balde de mexilhões, e comeu tudo, adorou, comeu até o que não devia, afinal todo viajante sabe que não se deve abrir a força mariscos que não abrem quando cozidos, eles causam problemas.
 
E coloca problema nisso, soubemos que o rapaz estava na enfermaria e muito mal, com forte diarreia e até delirando, o recém formado grupo então fez plantão por lá, sentados nos corredores queríamos dar apoio moral, não havia muito a se fazer, a união de todos se relacionava a já termos combinado seguir pra torres juntos, naquele momento eram todos uma família praticamente, foi triste ver aquele perengue.
 
A situação era complicada, mas engraçada, e só se atreviam a fazer piadas os outros australianos, chamavam o conterrâneo de burro pra baixo e repetiam que só podia ser um caipira, pois qualquer australiano que morasse perto do mar saberia comer mariscos, e como lá é uma ilha, tinha muito mar por perto!
 
Os últimos dois dias de barco foram de expectativa, não sabíamos se íamos ter uma baixa no grupo antes mesmo de chegar a Patagônia, o carinha foi melhorando, mas ficou bem enfraquecido, depois que chegamos a Puerto Natales ainda resolvemos passar dois dias por lá pra que ele terminasse a recuperação e ainda nos primeiros dias de trilha não deixamos que ele carregasse a mochila, dividimos o peso da dele, mas nada adiantou, lá no post de Torres conto como essa história termina. Mas felizmente não é nada trágico não, ok? 😃 
 
Para os que vieram ao post pra ver somente as fotos, sorry! Não são nada especiais 😃  nessa parte da viagem as histórias foram muito mais marcantes.