O Caminho do Sol

Foi a primeira, e até o momento única, peregrinação que fiz, e foi uma grande experiência, saímos de Santana do Parnaíba caminhamos pelo maio do estado de São Paulo até Águas de São Pedro.
Aprendi que há muitas diferenças entre uma peregrinação e uma trilha, algumas coisas são bem mais fáceis, outras desafiadoras.
A facilidade nessa peregrinação se deve em muito ao trabalho obstinado daqueles que mantém o projeto, em cada ponto de parada nos recebem com carinho e atenção, as vezes nos surpreendem no meio da caminhada com lanches e sucos, e tornam tudo mais fácil, por isso aqui agradeço com carinho esse trabalho que permitiram que realizasse essa caminhada.
Tudo começou numa época que o trabalho estava mais pesado que deveria, tenso eu queria fazer algo capaz de me tirar totalmente a atenção por vários dias, nessa linha sempre acabo pensando em caminhadas, mas eu não queria ir muito longe, o tempo seria escasso (sem motivos reais pra ser escasso, mas era), além disso, já havia um tempo que eu pensava em fazer o Caminho de Santiago, até fui a palestra preparatória, então encontrar algo na mesma linha aqui no Brasil me animou bastante.
Pelo que percebi não havia na época muita demanda para fazer o Caminho do Sol, talvez pelo período do ano, era pouco antes do Carnaval, talvez porque brasileiros ainda tem mania de resort 😃 mas isso nunca me incomodou, felizmente tudo deu certo, mais 3 pessoas apareceram com interesse pela data e fizemos uma bela caminhada.
No grupo havia um senhor que andava melhor que todos nós, com muitas caminhadas na bagagem, também uma mulher e um jovem que jamais tinham feito qualquer caminhada longa, bem heterogêneo, mas não houve em qualquer momento a desconfiança que teríamos problemas, todos pareciam ter o que é necessário pra fazer a caminhada, vontade real!
Logo no ponto de partida tivemos nossas mochilas pesadas e validadas, uma conversa de recomendações e ganhamos presentinhos, um pingente com o símbolo do caminho do sol, um passaporte para os carimbos e um cajado, toda ansiedade acabou nesse momento.
O Caminho do Sol segue os moldes do Caminho de Santiago, seus organizadores são religiosos e a toda filosofia do caminho é semelhante, como a demanda é menor aqui comparado ao caminho mais conhecido os pontos de parada são fixos, pequenas pousadas ou casas destinadas a pra esse fim com boa estrutura. Em cada parada recebemos um carimbo no Passaporte, que vai criando uma história especial sobre a experiência, é bem legal.
Alguns dos peregrinos procuram o caminho por motivos religiosos, até há no Brasil outras alternativas mais focadas nesse objetivo, com destino a grandes catedrais, mas no Caminho do Sol o vínculo religioso permanece discreto, o que é agradável para todos que queiram fazer essa peregrinação, todos se sentem acolhidos.
Em muitos pontos há paradas especiais, conhecidas ou mesmo surpresa, assim visitamos uma plantação de cogumelos, um alambique, uma fantástica coleção de orquídeas e pousamos em fazendas, com curiosidades como um jardim japonês, e até numa escola. Comemos uma coxinha de jaca que já tinha sido elogiada em programas de culinária famosos, e por tradição da peregrinação fizemos muitos escalda-pés 😃.
Ocorreram também paradas surpresa, no meio do nada uma mesinha com bolos, sucos e outros agrados era montada para que descansássemos um pouco, em muitas ocasiões a sensação era de encontrar um oásis em meio ao deserto, sensacional.
Aproveitando que citei o deserto,😃 vou falar do sol, o caminho não poderia ter um nome mais adequado, o sol é desgastante demais, mesmo que os trechos previstos não sejam grandes, geralmente em torno de 20km, feitos no período esperado do dia (que se mostrou período errado do dia) torna a caminhada um desafio e tanto, em trilhas é comum trechos menores, de 8-10km com desafios diferentes, vou explicar:
Em trilha se caminha por terreno irregular, muitas vezes com cobertura vegetal que gera sombra, o chão é as vezes escorregadio, com barro ou mesmo folhas soltas, mas raramente quente demais, a paisagem também muda rápido, conforme você passa uma montanha ou um vale.
Nessa peregrinação o terreno é regular, no começo até regular demais, andamos pelo acostamento de estradas locais, mas asfalto é quente, ainda mais no sol que nos acompanhou e geralmente sombras são raras, não se escorrega, mas eu diria que se tropeça mais 😃, nos primeiros dias a paisagem é bem constante e meio monótona, mas depois melhora muito 😃
A pior lembrança que tenho dos primeiros dias foram as bolhas, sim, por estar muito despreparado para o terreno (e talvez muito fora de forma também) eu ganhei bolhas em ambos os pés, o chão quente deve ter contribuído bastante pra isso, considerando que minhas botas são pra montanha e consequentemente mais quentes que deveriam praquele terreno. Mas bolhas nunca me pararam, usei o velho e bom truque do curativo “mini absorvente feminino” e segui por todo caminho, isso foi até comentado na reflexão que fizemos após o termino da caminhada, aparentemente todos receavam que eu desistisse.
Como eu não era o único a sentir a força do sol logo surgiu a sugestão de uma troca de horários, não poderíamos caminhar a noite, mas caminhamos de madrugada, a partir no 4 dia se não me engano saíamos entre 4-5 da manhã e tínhamos como objetivo chegar ao destino até umas 11h, tudo fico bem mais interessante, com menos desgaste ainda tínhamos a oportunidade de aproveitar as paradas pra confraternizar.
Enfim, foram 11 dias caminhando, o trajeto passa por acostamentos, estradas de terra, atravessa plantações e até passamos por uma sendo preparada (terra vermelha que refletia com força o sol), passamos por árvores que me encantaram (pois eu, na minha ignorância, pensava não mais existirem por aqui), nas paradas ouvimos histórias de outros peregrinos, conhecemos pessoas fantásticas, lugares interessantes e porque não fomos premiados com maravilhosos alvoreceres.
Uma surpresa me aguardava na volta pra casa, eu que sempre fui discreto em minhas caminhadas, compartilhando com amigos e conhecidos apenas havia sido hackeado, fotos de um peregrino descabelado, usando praticamente toda a caminhada a mesma roupa (que eu lavava dia a dia, ok?) foram postadas na rede social, uma que atualmente já abandonei, nas na época eu ainda tinha, e a rede social se encarregou de espalhar a história antes mesmo que eu pudesse contá-la, não achei muito agradável não, acho que cada um deveria ter direito a seus momentos de loucura ou devaneio sem que fosse espionado 😃
Não tenho dúvida que essa experiência me mudou como pessoa, e pretendo fazer outras peregrinações, por hora, basta dizer que o texto acima é quase nada comparado ao que vivi nesses 11 dias.
Quer fazer o caminho do sol? Começe por aqui: http://www.caminhodosol.org.br