A Cerimônia do Pequeno Buda

Estava já na segunda parte de meu roteiro em Myanmar, em Bagan, a antiga capital, muito diferente de Yangon a cidade toda era praticamente um templo, ou milhares deles, mas havia um famoso que estava um pouco distante: Mt. Pope, que exigia uma viagem com cerca de 3 horas a partir de Bagan. Saímos cedo e fui assim ouvindo o guia me contar um pouco da região, mais ou menos no meio do caminho ele sugeriu que parássemos para esticar as pernas além de conhecer um alambique que produzia pinga de coco (e tudo mais de coco também 😃 ).
Era uma pequena venda de estrada, de uma palmeira certamente parente do nosso buriti, embora eu não tenha realmente entendido o nome, saia dela todo o sustento do lugar, o dono moía o coco numa moenda de boi, eu não via uma há anos, também coletava um tipo de ceiva que usava para produzir o aguardente, destilado ali mesmo em tachos muito diferentes do que eu conhecia com destilaria, depois de tudo um liquido bastante cremoso escorria para as garrafas, tudo muito artesanal, interessante, mas melhor foi a conversa com o comerciante, ele deixou escapar que estava sozinho ali naquele dia porque uma cerimônia importante estava acontecendo na cidade onde morava, “a cerimônia do pequeno Buda” me explicou o guia.
Curioso pedi mais detalhes, e claro, quando o guia me descreveu que a cerimônia envolvia a entrega de algumas crianças para serem criadas pelos monges no templo local, meninos (e apenas meninos) em torno de 5 anos, que permaneceriam sob os cuidados dos monges até seus 18 anos, seriam “iniciados”, quando adultos poderiam escolher seu caminho como monge ou não, tudo num ritual que envolvia música, dança e uma procissão, era uma oportunidade única, as datas dos rituais não eram divulgadas e por pura sorte eu estava ali, há poucos quilômetros de um desses rituais, de imediato iniciei uma negociação para desvio do roteiro 😃 , felizmente ocorreu.
O que o guia esqueceu de contar era que os meninos eram ricamente vestidos e maquiados, levados em cavalos puxados pelos pais (que não pareciam muito felizes com o fato, ou talvez até com minha presença e isso era um pouco intimidador ao tirar as fotos), as mulheres realizavam a abertura da cerimônia em um cortejo, carregavam oferendas de todos os tipo, também vestidas a carácter.
Eram tantas cores, tantos contrastes, tanta pureza no olhar daquelas crianças, num maravilhoso dia de sol, e eu era o único estrangeiro por lá, também o único com uma máquina fotográfica na mão, me senti privilegiado, honrado em acompanhar aquele momento, nada estava preparado pra um show, nada era turístico, para mim tudo aquilo foi um presente dos deuses!
A cerimônia durou um pouco mais de uma hora, ao final uma cantora se apresentava na caçamba de um caminhão uma dança típica local, bastante coreografada, também cantava, observei e registrei o que pude, não sei detalhes de quais gestos representam o que, mas sei que há gestos sagrados específicos na dança tradicional da região, a dançarina então parava especificamente nesses gestos, como que marcando aquele significado, é bem diferente da música e dança que estamos acostumados, passa muita paz e serenidade.
Depois desse momento inesquecível voltamos a estrada, Mt. Pope nos esperava e sobre ele conto em outro post, por hora ofereço as fotos desse desvio de roteiro que foi dos mais marcantes momentos dessa viagem.