No melhor estilo de viajar sem muito planejamento sai com amigos em direção aos aparados, a logística envolvia várias etapas de ônibus em horários que não se encaixavam, mas certamente resultariam em boas histórias…
Saímos então de Florianópolis em direção a Araranguá, onde por muito pouco não perdemos a conexão para Torres, e perder isso implicaria em dormir na praça 😃 , entre os amigos que nos acompanhavam um já havia passado por isso e acordou na cadeia, após a visita de alguns guardas no meio daquela madrugada, mas dessa vez tivemos sorte, mais uma conexão era necessária para chegar na cidade mais próxima (mas não mais conhecida) próxima aos Aparados da Serra.
Assim, já eram 6:30 da manhã quando entramos numa padaria hávidos por comer algo e um café e ainda meio em dúvida sobre o fim do trajeto previsto e das muitas conexões, puxamos conversa com o atendente:
– Em que cidade estamos?
– Em Praia Grande! Mas não tem praia, nem é grande. – respondeu ele sorrindo.
Nunca antes uma resposta havia sido mais eficiente que uma xícara de café pra acordar, mas desabamos de rir.
Os Aparados da Serra ficam entre as cidades de Praia Grande – SC e Cambará do Sul – RS, bastava agora pegar o último ônibus da maratona, descer no meio do caminho e caminhar um pouquinho até o ponto que pretendíamos acampar.
O que não havíamos reparado é que entre a estrada e o ponto de acampamento havia um pequeno riacho, nada que nos parasse, cerca de 5 metros entre margens, mas estava frio, muito frio e tirar as botas e entrar naquela água gelada era desagradável, pra completar meus pés não são exatamente preparados pra essas ocasiões, muito a costumados a proteção de calçados eu sempre protagonizo algum “mico” ao atravessar rios descalço, não foi diferente nesse dia, escorreguei e cai no rio.
Pior que me molhar todo era molhar a mochila e tudo que estava dentro, pra evitar que a máquina também fosse vítima, quase me afoguei também, mas foi engraçado.
Bem ao lado do Cânion do Itaimbezinho montamos nosso acampamento, éramos 4 pessoas, eu, um mineiro e dois catarinas, mas por conforto levamos 2 barracas, assim não faltaria lugar pra guardar de forma protegida a comida.
Do ponto escolhido víamos o Cânion, o posto de guarda do parque e também a casa de um antigo morador do Parque, ainda vivo na época, o Seu Marçal. Todos serão personagens importantes dessa viagem.
O local contava com um pequeno bosque próximo também, isso ajudava a proteger um pouco do vento, que constante e forte chegava a incomodar.
Mal terminamos de ajeitar as coisas já tínhamos visita, o guarda florestal veio verificar quem éramos e oferecer apoio em algo que precisássemos (talvez ele tenha visto o varal enorme com minhas coisas).
Quando terminamos seguimos para uma visita rápida ao Cânion da Fortaleza, próximo dali, mas o vento por lá dificultava muito o prazer de estar por lá, então voltamos rapidamente para as barracas, naquele momento o Itaimbezinho parecia bem mais interessante.
Na manhã seguinte nos organizamos para discretamente descer o Itaimbezinho, era proibido pois as pedras ficam bem escorregadias, mas com calma e um pouco de habilidade foi o ponto alto da visita, não fomos muito longe, sabíamos que em caso de imprevistos dificilmente teríamos apoio, então seguimos apenas até a base de uma cachoeira que víamos do acampamento, mas o importante era a sensação de caminhar um pouco pela fenda do cânion.
Foi curioso que além de muitas pedras e um vento canalizado impressionante encontramos muitas carcaças de animais, a maioria bois, mas também animais menores, acho que eles não enxergam muito bem e infelizmente caem, não há cercas no cânion.
Na volta, a surpresa, uma das barracas parecia totalmente destruída, ainda em pé, mas torta como se alguém tivesse caído sobre ela.
Fomos nos aproximando e observamos o que parecia ser um tronco rasgando a barraca próximo a um dos cantos, a primeira reação foi pensar em um roubo, achamos que atrás de equipamentos ou dinheiro haviam aproveitado da fragilidade das barracas, mas algo chamava a atenção, a segunda barraca estava intacta.
Então nosso amigo mineiro, de ofício militar, sacou sua faca intimidante e resolveu que iria tirar a limpo o que houve e começou com um ato de raiva, chutou o “tronco” e aqui começou uma das cenas mais divertidas que vi na vida.
A barraca voou!!
Num salto inesperado pra nós o tronco levantou a barraca para quase 1 metro do chão, um grunhido estridente se ouviu e depois que voltou ao chão a barraca parecia viva, não era um tronco e sim o focinho de um porco do mato, e ele, coitado, sentiu bastante o chute em seu focinho.
Alguns segundos e o nosso visitante se livrou dos panos que restavam na barraca e correu em disparada ao pequeno bosque vizinho, atrás dele, enlouquecido o mineiro, com sua faca e na melhor pose homem das cavernas gritava sem parar: Vai virar toucinho!!!!
Mas claro que o porco ganhou a corrida, meia hora depois nosso amigo voltou, exausto e frustrado, o porco escapara, nesse meio tempo descobrimos que a culpa de todo ocorrido era quase toda dele, o mineiro, havia trazido muita carne defumada e linguiças, guardadas em latas de leite em pó, as latas estavam destruídas, roídas e algumas abertas, o porco veio pela comida certamente.
Consideramos ir embora, mas era tarde, e ônibus para a cidade somente na manhã seguinte, então nos conformamos em pendurar o que restava de alimentos em um saco meio improvisado dos restos de barraca e silver tape, o espaço na minha barraca era necessário, todos agora dormiríamos lá.
Não esperávamos, entretanto, que a noite ia ser tão pesada, o frio se reforçou por uma chuva torrencial, a barraca no seu limite não aguentou muito, e acordamos bem mal, encharcados, com o frio e sol fraco essa combinação era bem arriscada, precisávamos de ajuda, foi então que os catarinas sugeriram bater a porta do morador local, o Seu Marçal.
A ideia era pedir um espaço seco pra estender algumas roupas, talvez cozinhar e conseguir passar precariamente pelo problema, mas ele foi muito mais generoso que isso, ao ver o estado que estávamos abriu as portas da própria casa, usou o fogão a lenha pra secar rapidamente muitas das nossas coisas e com muita simpatia nos ofereceu almoço e chimarrão. Não há palavras capazes de agradecer tanta grandeza e generosidade que vi naquele dia.
E o chimarrão era novidade pra mim e pro mineiro, eu já havia sido instruído sobre o ritual pelos catarinas, mas o mineiro sequer sabia o que era aquilo, conforme a cuia foi indo de mão em mão o nosso anfitrião se alegrava com nossa presença, ria e contava histórias de suas vacas que caiam no cânion, seus mais de 40 anos naquela terra e quantos imprevistos já havia presenciado nos turistas com suas roupas coloridas (se referia as chamativos equipamentos de montanha), e então o chimarrão chegou a mão do mineiro, último na fila, ele deu o primeiro gole, arregalou os olhos e sem que pudéssemos contar usou a bomba como uma colher dizendo que o açúcar devia estar no fundo!
Pra quem conhece um pouquinho dos rituais do sul com o chimarrão sabe que isso é visto como ofensa pelas pessoas mais tradicionais, num piscar de olhos eu e os catarinas nos esforçávamos pra conter o Seu Marçal, forte como um touro nós mal conseguíamos, ele queria realmente punir o mineiro e partiu pra cima dele.
Alguém apareceu do nada tirou a cuia do mineiro e acalmou nosso anfitrião, não lembro quem, mas salvou o dia, levamos quase uma hora explicando a situação e tudo terminou em risadas, o mineiro não teve mais acesso a cuia, claro.
Tudo melhorou a tarde, o sol voltou, as coisas secaram e retornamos para praia grande, afinal não tínhamos mais nem comida, nem equipamentos suficientes para ficar por ali, deixo aqui a lembrança de uma vitória pessoal no retorno, não escorreguei ao atravessar o rio!